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O Ensaio Sobre a Cegueira de Saramago e a COVID-19

José Saramago é um importante escritor português que nasceu em 1922 e morreu em 2010, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura em 1998. Durante sua vida exerceu funções como a de serralheiro mecânico, funcionário administrativo e técnico editorial. A partir de de 1976 passou a viver exclusivamente de seu trabalho literário. Foi a partir de seus cinquenta e poucos anos, que Saramago foi reconhecido como um dos mais importantes escritores da língua portuguesa. Esse fato é uma das coisas que mais me encantam na vida do escritor, pois nos mostra que sempre é tempo de realizar, criar, construir, sonhar, estar presente. 


Uma das obras mais conhecidas de Saramago no Brasil é Ensaio Sobre a Cegueira, obra que foi adaptada para o cinema em 2008 e dirigida por Fernando Meirelles. José Saramago é um grande questionador da sociedade moderna.


Em Ensaio Sobre a Cegueira, de repente todas as pessoas são acometidas por uma cegueira branca. A ciência não consegue diagnosticar ou encontrar a cura. A partir disso, as primeiras pessoas que manifestam a cegueira, são colocadas em quarentena. Dentro do regime de quarentena, elas voltam a um estado primitivo e caótico - competindo por tudo, como se estivessem vivendo numa selva. 


Ensaio sobre a Cegueira é uma obra sobre o egoísmo, a ética, a intolerância e a indiferença ao próximo. Saramago diz que a humanidade já está cega e que a verdadeira cegueira é não enxergar o óbvio, aquilo que grita aos nossos olhos. Assim que a pandemia do Coronavírus se espalhou pelo mundo e chegou ao Brasil, a obra de Saramago voltou para os meus pensamentos. Li o livro há anos atrás e considero uma das obras que mais me marcaram. 


Quando a COVID-19 se disseminou no nosso país, pessoas correram aos supermercados para estocar alimentos, álcool gel e máscaras de proteção acabaram nas farmácias. Pessoas disputando suprimentos, outros negando a situação, crise política e milhares de pessoas adoecendo e morrendo. Em meio a tudo isso, estamos observando atitudes individualistas e irresponsáveis por parte dos governantes e da população. Também existem aqueles que estão solidários e comprometidos. Porém, os desassistidos e em situação de vulnerabilidade, são o maior número da população. É como se neste momento as desigualdades do nosso país gritassem aos nossos olhos. E será que enxergamos?  


Para a Gestalt-Terapia somo seres no mundo. Existimos uns em relação aos outros. As dimensões sociais, culturais e políticas são parte de nós e nos constituem enquanto sujeitos que somos. A situação do mundo e do outro nos afeta. Afetamos e somos afetados. Dentro da Gestalt encontramos a clínica antropológica que aborda a função personalidade como o conjunto de construções históricas que constituem nossa humanidade. Quando ocorre um prejuízo da dimensão antropológica causada pela imposição de uma condição natural, como por exemplo o surgimento de uma pandemia, somos afetados pelo desequilíbrio de nossas representações sociais.


Nosso cotidiano se modificou. Por conta da quarentena, aqueles que podem estão trabalhando em casa, muitas pessoas perderam seus empregos e aqueles que trabalhavam como autônomos tiveram a sua renda diminuída ou a perderam. O distanciamento social também tem nos afetado, já que somos seres em relação. Estamos vivendo o luto pela morte de milhares de pessoas. Vivemos também, o luto pela perda de papéis e lugares. 


Antes da pandemia vivíamos num ritmo frenético a serviço da produtividade e da ilusão de felicidade através do consumo. O desequilíbrio pelo qual estamos passando, nos chama a criar novas formas de ser e estar no mundo. O desequilíbrio nos chama a buscar o novo. O que seria o novo? Talvez retomar o olhar para o outro?


"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara" (José Saramago)




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